segunda-feira, 31 de julho de 2017

Feira Medieval UFF - Niterói - RJ


- Mas é feio, o bichinho! Meu deus!

Eu já estava há algumas poucas horas tocando minha viela embaixo de uma árvore quando ele chegou. Virei para o lado já rindo em alto e bom som, sabendo que não se tratava de apenas mais um entusiasta da cultura medieval passando pelo jardim da reitoria da UFF, pronto para ouvir música antiga e provar hidromel. Ele ali, de cara, já era meu espectador mais ilustre. Incrédulo, num misto de pena, admiração e curiosidade. Ah, agora ele tá ali ó, no disérto, andando cus camelo, disse ao ouvir a menor harmônica. Nessas horas meu sorriso brota mais fácil que ao ver dinheiro caindo no meu case.
Seu modo de vida e meu instrumento tem muito mais em comum do que ele e as pessoas de forma geral imaginam. Apesar de a viela de roda ser hoje, no Brasil de 2017, um dos instrumentos mais caros de se conseguir; ela teve uma enorme parte de sua história associada a mendigos cegos, músicos itinerantes e pedintes. Dos meus visitantes na rua, os moradores dela são sempre os mais ilustres. É como se eles tivessem mais direito a ouvir a música que toco, é como se eles soubessem disso tudo. Rola uma vibe de reencontro que é mais forte que eu. E eles nunca falham em seus comentários, que muitas vezes fazem alusão a deus e ao mundo espiritual que as cordas da viela aparentemente evocam.

Esse foi apenas um dos momentos lindos que vivi esse domingo (22) na reitoria da Universidade Federal Fluminense (UFF), na feira medieval que encerrou o Festival Conexões Musicais UFF UNIRIO, que além de concertos e aulas ofereceu também tardes de palco livre para quem quisesse apresentar seu trabalho. Confesso que apesar dos meus contatos nesse meio e do fato de eu estar sempre conectado e antenado, não ouvi falar do festival e perdi absolutamente tudo que ele ofereceu, com a grata exceção da feira em questão.


Apareci na reitoria da UFF por volta de 11:45 da manhã com viela nas costas, mochila e um banquinho nos braços. Meu papel esse ano seria exatamente esse: sentar embaixo de uma árvore e praticar, chamar a atenção dos transeuntes da forma mais natural possível, longe do palco e do formato de show/concerto que tanto conhecemos. O busking me proporciona uma leveza que não sei descrever. É bem especial. Sempre. Cada vez aprimoro mais a arte de tocar repetindo "viela de roda" a cada dois minutos. =)

A feira foi absolutamente linda. Barracas de artesanato temático, comidas, hidromel, vestimentas e sucos encheram o jardim de cores. E os figurinos estavam lindos demais. Consegui curtir as apresentaçãos da orsquestra do festival, do coro da UFF, do lindo dua Olam Ein Sof e o showzaÇÃO dos amigos da Banda Tailten. Todos de parabéns! De quebra, na hora da grande dança comandada pelo maravilhoso Mario Orlando (Música Antiga da UFF) o público participou e o querido Eduardo Antonello (multi-instrumentista que também contempla a viela) veio me arrancar da árvore para que eu desse uma forcinha com meus bordões e meu trompette. Foi divertidíssimo! Fica meu agradecimento especial a esse músico fantástico, pessoa tão gentil. 


Depois disso voltei ao meu cantinho, onde fui carinhosamente recebido pelos que ali passavam. Aproveito para agradecer à Carol Domingues, querida amiga que me obrigou a abrir o case e conseguir uma graninha extra. Amei tanto!

Foi um dia realmente inesquecível. Pude dar um oi para pessoas que admiro muito como o Eduardo, o pessoal do Música Antiga (em especial a Virgínia =) ), a linda Kristina Augustin e meus amigos que apareceram por lá.

Que venham os próximos anos e as próximas feiras.



sexta-feira, 28 de julho de 2017

No Brasil: Grupo Ucelli


Dando continuidade a série de posts sobre os nossos artistas que tem feito uso da viela de roda, seguimos para Goiânia, onde o Grupo Ucelli surgiu e tem feito música antiga há alguns anos. De acordo com Beatriz Pavan, responsável pela viela de roda e pela espineta no grupo, o  nome UCCELLI significa pássaros. 

O grupo surgiu em 2013 a partir do interesse em se pesquisar a música medieval utilizando instrumentos cópias dos originais. O quinteto é formado por flautas doces, rabecas, percussão, voz espineta e viela de roda. E o interesse pela viela veio a partir da necessidade de incorporar ao grupo um instrumento que fizesse bordão e mesmo melodia nos arranjos das peças, que vem basicamente do "Livro vermelho de Montserat", "Camina Burana", "Canções de Santa Maria" além de obras do cancioneiro brasileiro de tradição oral.

Os descobri porque em janeiro quando vielista do grupo, Beatriz, entrou em contato comigo. Ela havia recebido sua viela de roda (a famigerada viela do Ebay) e estava com problemas nos ajustes e manutenção de seu instrumento. Infelizmente não pude ajuda-la como gostaria, já que estamos em estados diferentes. De qualquer forma, pessoas, devemos sempre estar atentos a essas vielas -  não custa lembrar - pois elas acabam sempre funcionando como armadilhas e podem frustrar quase que irreparavelmente alguém que dedicou tempo e dinheiro a sua compra.

A boa notícia é que hoje a Beatriz também possui uma symphonia (modelo medieval) contruída pelo vielista húngaro Robert Mandel. Sobre seu novo instrumento Beatriz me disse estar muito satisfeita com seu som; e acrescentou que acredita que logo logo teremos  construtores de vielas por nossas terras, popularizando ainda mais o instrumento.

Obrigado Beatriz pela sua atenção. Tudo de bom a você e sua nova symphonia!

Vocês podem seguir o UCELLI no instagram. =)


quarta-feira, 26 de julho de 2017

Entrevista com Pablo Lerner (2017)


Há uns anos atrás eu já havia escrito sobre o Pablo aqui. Recentemente encontrei essa ótima entrevista com ele conduzida em janeiro (como estava viajando eu acabei me esquecendo de postá-la). Durante seu último período aqui no Brasil, Pablo integrou o grupo Cordal com seu tekerolant (nome húngaro para a viela de roda).  

Descobri recentemente que Pablo não se encontra mais em terras brasileiras, ainda assim. Deixo aqui outro vídeo sensacional que fala mais que quaisquer palavras que eu possa usar para descrever sua arte.


terça-feira, 25 de julho de 2017

No Brasil: Asa de Grilo Folk


É com muita alegria que escrevo esse post. Já faz algum tempo que venho reparando o surgimento de alguns novos grupos e artistas que tem incorporado a viela de roda em seus trabalhos e eu sempre na correria esqueço de lhes dedicar o devido tempo. Hoje consegui; e só queria repetir que é sempre uma surpresa feliz ver nosso instrumento ganhar cada vez mais espaço por aqui. 

O post de hoje é sobre um desses grupos que eu tenho encontrado - e um com mágica já em seu nome - o Asa de Grilo Folk (como não amar esse nome?). Os conheci há alguns meses no (pasmem!) #instagram e não demorei a entrar em contato com o André. O trio então respondeu algumas perguntas sobre o projeto. Foram super solícitos, tanto que me bastou copiar e colar suas respostas. 

Com vocês, Asa de Grilo:


- De onde vocês são e como o grupo surgiu? Qual a trajetória dos membros?

Moramos em Chapecó, Santa Catarina. O grupo surgiu a partir de festas
medievais que fizemos aqui na região há alguns anos. No início,
juntamos alguns amigos que tinham interesse em repertório medieval e
folk para ensaiar alguns temas, com o intuito de toca-los nessas
festas. Deste grupo inicial, persistiram na proposta André e Thiago,
criando algumas músicas inspiradas na linguagem folk, medieval,
renascentista e céltica. Este ano Ricardo passou a integrar o Asa de
Grilo, que fez recentemente sua primeira apresentação.

- Poderia nos falar um pouco sobre a trajetória dos membros?

André Luiz Onghero - Dedica-se à música há 22 anos, compondo e tocando
vários instrumentos, principalmente guitarra. Participou de várias
bandas de rock, blues e folk. Desde 2007 começou com experiências e
pesquisas sobre construção de instrumentos musicais medievais. No Asa
de Grilo, compõe e toca violino, violão, gaita de fole, viela de roda,
flauta, escaleta e percussão. Profissionalmente, atua como historiador
e tem formação na área de história e educação.

Thiago Cardoso de Aguiar - Há cerca de 10 anos iniciou sua trajetória
musical, participando de bandas de rock e heavy metal como cantor e
compositor. O interesse pela cultura medieval o motivou a criar a
parceria musical com o André e também a fabricar hidromel. No Asa de
Grilo, além de compositor e vocalista, ele toca flauta, violão, gaita
de fole, escaleta e percussão. Profissionalmente, é atendende
comercial.

Ricardo Parizotto - Participante mais recente do grupo, dedica-se ao
violão há 8 anos. O interesse pela música medieval surgiu após
conhecer os integrantes do grupo, onde hoje toca violão e percussão.
Profissionalmente atua como professor universitário.


-  De onde vem o nome Asa de Grilo?

Apesar do projeto já ter alguns anos, está mostrando sua produção
apenas agora em 2017. O nome também é recente e consideramos que ele
representa bem a proposta sonora do grupo. Afinal de contas, o grilo é
um animal que existe em todos os continentes e que é personagem do
folclore de várias culturas. Além disso, é pelo raspar das asas que
ele produz o seu som característico, o que meio que o transforma em um
instrumentista. Então a mescla destes elementos nos motivaram a
escolher Asa de Grilo como nosso nome.


-  Como conheceram a viela de roda e como incorporaram o instrumento à
banda? Vocês mesmos a construíram?

Eu (André) conheci a viela de roda em 2001, em um simpósio de história
que aconteceu na UFF em Niterói, quando vi alguns grupos de música
antiga e me interessei muito por música medieval e pelos instrumentos
que eles usavam, entre os quais, a viela de roda.

Em 2007 resolvemos fazer uma festa medieval e aí comecei as tentativas
de fazer instrumentos. Inicialmente tentei fazer um alaúde, mas ficou
algo muito tosco, o que não impediu de tentar mais algumas vezes,
ainda que sem sucesso. Parti para as flautas, obtendo resultados
satisfatórios. Queria também fazer gaitas de fole e vielas de roda, e
fiz várias tentativas frustradas. Após muita pesquisa, em 2013 comprei
um torno para madeira e as ferramentas específicas, conseguindo
construir a minha primeira gaita de fole. Depois disso, continuei a
produção e já fiz várias gaitas, que usamos no grupo. Em 2015, fiz uma
viela de roda sem muito planejamento e que não deu muito certo, mas me
ajudou muito a entender as peculiaridades do instrumento. Após certo
tempo planejando, em 2016 comecei a construir esta que estou usando,
ainda em caráter experimental e já identificando vários itens a
aperfeiçoar nos próximos projetos. Mesmo ela sendo um instrumento a
ser aperfeiçoado, não nos impediu de a usarmos, inclusive
disponibilizamos alguns videos de músicas nossas tocadas com ela.

- O repertório de vocês é autoral?

Sim, nosso repertório é majoritariamente autoral. Temos vários temas
instrumentais e algumas canções, e, como forma de contextualização,
tocamos algumas músicas medievais, renascentistas e folclóricas. Fica
o convite para conhecer o nosso trabalho no youtube ou em nossa
página do facebook

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Eu sempre - sempre mesmo - fico impressionado com essa característica tão nossa quando o assunto é a viela de roda. Estamos aqui meio isolados do mundo vielístico europeu, e não são tão raras as pessoas que vem tentando construir vielas. Meus sinceros parabéns a todos vocês.

E meu muitíssimo obrigado ao André e os rapazes do Asa de Grilo. Sucesso pra vocês!


sexta-feira, 14 de julho de 2017

Letícia Grockotzki e a Notação para Viela de Roda

Letícia (com sua viela de roda), no dia da banca de seu TCC, com seu orientador (à esquerda) Professor Felipe Ribeiro e seu segundo avaliador, Professor Fabio Poletto.

Que o mundo da viela de roda no Brasil vem crescendo, todo mundo já sabe. A novidade deste post, na verdade, está no fato de algo muito especial ter ocorrido no âmbito acadêmico musical: a conclusão do interessantíssimo trabalho da querida Letícia Grockotzki, vielista Curitibana que acaba de se formar no Curso Superior de Composição e Regência pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

Letícia é uma amiga especial, musicista de sensibilidade artística única; e já participou aqui no blog com um relato muito bacana sobre a visita do super-vielista Matthias Loibner aqui no Brasil. Sobre seu trabalho, Letícia nos diz:

Quando eu precisei decidir o que eu faria em meu Trabalho de Conclusão de Curso, pensei em fazer sobre algo que eu gostasse, e que fosse útil de alguma maneira. A viela-de-roda veio em minha mente também por ser um instrumento pouco conhecido, mas que precisa ser conhecido! Por quê? Porque tem um potencial musical magnífico e uma história muito interessante para ser estudada. Então decidi escolher o modelo de trabalho teórico e, como eu precisava encaixar na minha área, decidi estudar a questão da notação para o instrumento, que se alinha com o ramo da composição.
Durante a pesquisa entrei em contato com vielistas de vários países e foi um trabalho bastante enriquecedor, pois pude reunir informações de diversos materiais e acima de tudo, aprender muito. Hoje passo para quem tiver interesse todo esse aprendizado. Não foi fácil, e acredito que ainda há muito o que melhorar. À quem ler, se tiver alguma dúvida, observação, crítica, sugestão, estou à disposição para recebe-las.

Abraço!

Leticia Grockotzi Goularte"

E para quem se interessar em ler o trabalho da Letícia, não pense duas vezes antes de contacta-la aqui:  leticiagrots@gmail.com

É muito legal saber que o mundo de potencial da viela no meio musical é reconhecido e estudado por aqui. Meus sinceros parabéns a essa musicista tão especial que levou nosso querido instrumento à esfera acadêmica com seriedade e carinho mais que merecidos. Sucesso, Letícia!