terça-feira, 27 de outubro de 2015

Enfrentando medos: tangentes.


Já se foram quase quatro anos desde que eu pude tocar numa viela de roda pela primeira vez. Estando no Brasil, absolutamente exilados do "universo" que rodeia o instrumento na Europa e até mesmo na América do Norte, nós acabamos nos tornando luthiers também, de certa forma - ou deveríamos, em teoria. 

Eu achei que já havia recebido minha parcela de perrengues de liuteria quando, há algum tempo, precisei não só retirar algumas teclas da viela antiga, mas também lixa-las na medida certa e coloca-las de volta sem problema algum. A humidade havia chegado de vez nela e algumas teclas haviam literalmente inchado. Filho da %$#@, pensei. Bem que o luthier avisou. A mesma coisa rolou recentemente quando meu dó grave quebrou. Eu havia sido avisado, fiquei possesso, mas tudo correu bem. O primeiro perrengue, contudo, foi muito tenso. Retirar teclas... Olhando o teclado de uma boa e velha viela de roda, a tarefa não pareceria tão assustadora, não fosse por um pequeno detalhe: as tangentes. (BOOM!)

Essas pecinhas fofas e delicadas que se encontram presas nas teclas são nada mais nada menos que a (s) alma(s) da viela de roda. São elas que encostam nas cordas, encurtando-as e produzindo as notas. Um poder que pode tanto simplificar quanto complicar a vida, daí o medo absurdo de brincar com elas.

Uma coisa que aprendi é que quando falamos da afinação de uma viela de roda não precisamos necessariamente mexer nas tangentes. Aliás, na maioria das vezes esse não será o caso. Quando tocamos viela de roda, temos de lidar com milhares de possibilidades que podem influenciar o instrumento, a saber: 

1) A quantidade de algodão nas cordas - Muito algodão deixa o som abafado e com interrupções - as notas precisam ser continuas, de forma natural. Pouco algodão, por outro lado, pode deixar o som meio arranhado e nada agradável.

2) A quantidade de resina na roda - Novamente, muita resina na roda vai resultar num som também arranhado, você não vai conseguir produzir uma nota que preste; enquanto pouca resina na roda vai deixar o som baixinho e distante. Algumas notas mal soariam.

3) A pressão das cordas na roda - Isso é regulado nas vielas mais tradicionais com pequenos pedaços de papel ou plástico colocados por baixo das cordas ali no cavalete, de modo que a corda não fique tão pressionada contra a roda, algo que também gera o som arranhado e uma série de barulhos nada bem-vindos.

Certa vez, depois de passar dias tentando consertar a forma como um dó sustenido soava, um luthier teve a  cara de pau de me dizer "ah, tudo bem. Você não vai usar muito essa nota, mesmo". Bom, eu tendo a concordar mais com uma professora minha que disse que pagamos caro por um instrumento e que todas as notas devem soar dignamente. Não existe uma tecla não funcionar, uma nota não existir. Devemos fazer tudo para que todas estejam em ordem. A questão aqui é que se nos certificarmos de que tudo que mencionei ali em cima está ok e ainda assim tivermos algumas notinhas soando fora, sejam elas mais agudas ou graves (geralmente as problemáticas são as mais agudas) teremos que mexer nas tangentes. .(NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!) - Sim. E acreditem, não é esse bicho de sete cabeças. Se eu tivesse tomado coragem de fazer isso há mais tempo, eu teria aproveitado muito mais minha antiga viela de roda. Mas enfim, vamos lá.

Exemplo tirado do site richard-york.co.uk
As vielas mais tradicionais possuem tangentes de madeira, como as da imagem ao lado. Para mexermos nelas, precisamos apenas de uma chave de fenda básica e um lápis. As tangentes estão presas em diferentes direções que não são nada aleatórias. Elas estão do jeito que estão por uma razão: a afinação. Para alterarmos suas alturas, precisamos apenas afrouxar um pouco os parafuzinhos que as seguram e girarmos elas levemente para um lado ou para o outro. Eu sei que isso soa extremamente simples, mas é necessário muito cuidado para não perdermos de vista a posição em que ela se encontra inicialmente. Um afinador eletrônico vai te ajudar muito, mas ainda assim, né. Ficar atento não custa nada. E POR FAVOR CERTIFIQUEM-SE DE AFINAR A CORDA SOLTA antes de qualquer coisa. Mesmo.

Além disso, existem dois aspectos fundamentais que precisamos ter em mente ao mexermos nas tangentes:

1) A direção para qual a tangente apontava originalmente. Antes de move-la, marque um pontinho com de lápis bem em frente à sua ponta, desta forma, se a afinação for de vez pro espaço você saberá para onde apontar a sua tangente novamente e recomeçar. 

2) Certifique-se de que ambas as tangentes (de ambas as cordas cantoras) encostem nas cordas ao mesmo tempo, para ter certeza disso é necessário que ambas as cordas estejam acionadas, isto é, fora do suporte que suspendem elas. Uma tangente encostar antes da outra nas cordas pode gerar problemas sonoros indesejáveis.

Exemplo tirado do drehleierworstatt.com - tangentes de metal
As minhas tangentes são de metal, um tipo mais moderno, como as da foto acima - de um instrumento também construído pelo Sebastian Hislmann. Estas tangentes são reguláveis tanto da esquerda para a direita como de baixo para cima, me permitindo assim ver pela marca do próprio parafuso  a altura correta para que ambas tamgentes tocassem as cordas ao mesmo tempo. Já em relação à direção, não foi preciso utilizar o lápis para marcar a posição original. O truqe aqui é afrouxar o parafuso na medida certa para que a tangente não fique tão solta, de modo que possamos move-la muito sutilmente até atingirmos a finação desejada. O resultado foi magnífico e o som ficou perfeito. Foi libertador, fazer isso. Praticamente um rito de iniciação.

Um outro aspecto importante que devemos levar em conta é a extensão completa da corda. Cada viela tem uma extensão específica que deve ir do local por onde a corda sai, até o cavalete. A minha eu descobri porque meu luthier fez questão de deixar isso claro para mim, então seria o caso de sempre perguntarmos. Caso essa distância seja alterada (geralmente porque aquelas madeirinhas ali no topo [ffoto ao lado] se moveram), também podemos ter problemas de afinação. Este seria um caso mais difícil de ocorrer, pelo que entendi, mas ainda é uma possibilidade.

O importante é manter a calma e tentar, sempre. Apenas assim veremos que somos capazes de mexer nesse instrumento tão complicado. Nós ouvimos o tempo todo o quão cuidadosos devemos ser com a viela, como é um instrumento delicado, que requer cuidados etc. Acho que isso nos inibe muito na hora de tomarmos atitudes em relação à manutenção. Vamos lembrar que esse instrumento está aí há pouco mais de que, dez séculos? São instrumentos que levam tempo para serem feitos, então não vão ser pequenas manutenções que vão quebra-los para sempre. Lembrem-se que afinação é fundamental para qualquer músico, em qualquer instrumento. E que nossa viela já foi muito rotulada como algo que soa dolorosamente ruim durante séculos. Tá na hora de darmos um desconto a ela. =)

Mãos à obra!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Viela de Roda no Jornal - Rioshow

Fotinho pelo Davi Paladini
E dia desses (semana passada) saiu um matéria no Rioshow sobre instrumentos incomuns; fui convidado pela jornalista Paula Lacerda a conversar com pouco sobre a viela de roda, minha banda e minha história com o instrumento. Foi uma experiência bem bacana e os frutos apareceram domingo, na nossa session mensal em Botafogo. Muitas carinhas novas, animadas e encantadas não só pela viela mas por tudo que rola em nossa session. =)

Confira a matéria clincando aqui.


Vielisticamente,

(Logo logo retomo com novidades vielisticas sobre meu amado Rio de Janeiro)