terça-feira, 15 de julho de 2014

Do Brasil, mas não no Brasil: música na mochila e Gregory Jolivet


Eu não sei se é o mundo que é pequeno mesmo ou se é o mundo da viela de roda que consegue ser ridiculamente minúsculo, mesmo com todos os seus vielistas espalhados pelos sete cantos do globo. O que eu sei é que essa semana tive duas surpresas lindas ao me deparar com um episódio do programa Música de Bolso, do canal Bis.

O programa acompanha Guto Guerra e seu ukulele por todo o planeta, mostrando músicos de todos os tipos e estilos tocando por vários lugares e em diferentes situações, todas terminando com uma pequena jam entre eles e o próprio Guto.

Na França, o apresentador não só conversou com os caras do Les Musicien de St. Julien (que estiveram aqui ano passado e sobre os quais escrevi aqui), como também conversou com um dos vielistas que mais admiro no mundo - até porque é um dos melhores, sem exageros: Gregory Jolivet.

Eu conheci o trabalho do Gregory solo com sua espetacular Scottishe Urbaine (vídeo ali embaixo); e depois descobri pequenos trabalhos dele aqui e ali, como o grupo de música folk francesa La Machine e um ou outro show que ele fez com a Loreena McKennitt.


Depois, também por pura coincidência, descobri que o Laurent, meu professor no Conservatório de Bourges, também tinha sido professor dele, aumentando mais minha admiração por seu jeito energético e tão característico de tocar.

Gregory toca uma viela alto construída por Philippe Mousnier, luthier mais que unique e inovador em vários sentidos. 

Foi com uma belezura dessas que Gregory demonstrou todo seu virtuosismo neste episódio do Música de Bolso (número 5, da terceira temporada).


Fiquei super feliz de ver um brasileiro conhecendo a viela de roda lá, onde a coisa existe pra valer. Mas confesso que rolou um certo ~recalque~ porque nós estamos aqui, firmes e fortes, fortalecendo a pequena comunidade de músicos que giram manivelas. Além disso, o site havia colocado que Gregory Jolivet era especialista em órgãos e meio que ignoraram o nome do instrumento, utilizando vez ou outra o vocábulo francês vielle à roue

Tudo que sei é que eu fui ~xingar muito no twitter~, mas na minha página pessoal, de brincadeira mesmo. Não esperava que fossem atrás do instrumento em português porque né, ninguém sabe que ele agora existe por aqui... Mas pasmem: para minha surpresa, no dia seguinte me deparei com isso aqui.



Já agradeci no twitter, mas não custa deixar mais um obrigado aqui pela consideração de corrigir esse erro HORRENDO - brincadeira - por terem tido tamanha consideração.

E que num futuro alguma matéria de TV seja feita conosco aqui no Brasil. 
A gente merece, vai. =)

Vielisticamente,


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Eight's a charm - No Brasil: Nayane Spigoti


Poucas vezes na vida podemos nos preparar para um momento em que nossa estrada muda de curso e tudo ganha uma nova cara, sob uma nova luz. Hoje foi um desses dias para nossa querida amiga Nayane Spigoti, que viveu um desses momentos mágicos - um pelo qual ela esperou, e muito - ao receber sua linda viela de roda. Vindo diretamente dos confins de Lancashire, na Inglaterra, Wren foi construída pelo mesmo luthier da minha viela de roda, o simpático e talentoso Neil Brook. Posso dizer que minha Lyanna agora tem um irmãozinho lá em São Caetano do Sul, em São Paulo. Oitava viela de roda (não contando as sinfonias dos grupos de música antiga) a chegar no Brasil. 

Apesar de ser a segunda viela construída por Neil a chegar por aqui, ela ainda é a única do modelo Wren, feito especialmente para aqueles que estão iniciando essa aventura que é tocar viela de roda. É um modelo simples, compacto e extremamente charmoso. Eu realmente não sei o que é ter um instrumento tão prático para carregar (eu sempre pareço estar carregando um caixão de anão nas costas), por isso acho que é um instrumento válido não só para iniciantes, mas para todo mundo que vez ou outra precisa viajar com sua viela ou carregar ela para sessions. Além disso, o Wren vem com tudo que uma viela de roda precisa ter: trompette (cachorro), bordões, cordas cantoras e e tudo mais. Vale muito a pena.

Nayane conheceu e se apaixonou pela viela através da banda Eluveitie, que traz a linda Anna Murphy, sempre encantando mais pessoas e trazendo mais jovens ao fantástico mundo da viela de roda. O que me fascina nisso tudo é que uma coisa é você ver o instrumento e se encantar, outra coisa é fazer o que a Nay fez (e eu fiz, e todos nós da pequena comunidade vielística fizemos), que é embarcar de cabeça num projeto que é trabalhoso e delicado sim: conseguir uma viela de roda. 

Mais uma vez vemos que apesar das complicações, é tudo uma questão de planejamento. Nayane levou aproximadamente três anos desde sua decisão até ter o instrumento em mãos, hoje. Segundo ela, esse período ainda contou com os seis meses na fila de espera, alguns meses na fabricação e mais uns meses para quebrar a cabeça sobre como trazer o instrumento. Passar pelo processo de pesquisa sobre transferências bancárias, datas, taxas, preços... Ufa! Tudo isso pode ser muito exaustivo, e às vezes é só o começo, já que ainda precisamos pensar e repensar como e quando buscar a viela, decidir se a confiaremos aos correios (don't), se vamos busca-la ou se alguém nos fará o favor de traze-la. Mais uma vez: é questão de estudar e planejar, sempre com calma e foco.

Hoje acabou sendo um dia especial para mim também, porque não tem como presenciar isso e não ficar feliz, não ser tocado pela sensação de sonho realizado. Há quase três (!) anos quem vivia esse momento era eu; e é pra sempre, mesmo. Sei que isso soa um pouco dramático, mas a sensação de impotência diante de querer um instrumento desses já soa como uma constante lá fora, onde a mobilidade é mais em conta e há menos barreiras, então imaginem em nosso país. Sabemos que não é fácil, por mil razões: o preço, a não-existência de vielas por aqui, o tempo de espera etc. E hoje mais uma pessoa foi além dessa ideia assustadora de... Ter uma viela de roda no Brasil. E crescemos mais um pouco.

Deixo aqui meus parabéns à Nayane e ao BeanSidhe, por terem realizado juntos esse sonho. Agora temos a oitava vielista de roda de nosso país, curtindo um instrumento lindo e logo logo vindo à tona com um trabalho legal e porque não, promissor? Digo isso porque antes da grana e às vezes até mesmo do talento, o que conta é a paixão; e a sua paixão é nítida, Nay!

Vielisticamente,

;-)